Análise sócio-política do contexto na América Latina a partir de uma perspectiva climática
O objetivo deste curso é refletir e identificar o contexto político, social e econômico da região a partir de uma análise feminista.
Módulo 1: Contexto político
Apresentação do módulo: Análise sócio-política do contexto na América Latina a partir de uma perspectiva climática
Da EFAC e de todos os seus membros entendemos que o sistema de produção capitalista se apresenta, a nível global, como desequilibrado, injusto e excludente, com crises financeiras, econômicas, comerciais, alimentares, energéticas, sanitárias, educacionais, demográficas, migratórias e ambientais, onde prevalecem a iniquidade e grandes lacunas de desigualdade social, étnica e de gênero. Um contexto que é ainda mais agravado pela crise climática global.
Neste módulo refletimos sobre os efeitos do complicado contexto político, econômico e social que a América Latina está vivenciando, bem como sobre como a crise climática está se agravando. Coletivamente, vemos que esta crise climática não é um fenômeno natural, mas sim um produto das políticas implementadas pelos Estados em nossos países. Destacamos como, de diferentes maneiras, os governos da região favorecem atividades extrativas como agronegócio, mineração, petróleo, hidrelétricas e especulação imobiliária para enfrentar a crise econômica. Nesse cenário, as mulheres, os jovens e as meninas são os mais afetados, principalmente as mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes, colocando em risco suas vidas, saúde e meios de subsistência.
Quais são as estratégias de defesa, resistência e desafios que esse contexto ameaçador nos apresenta? Ouça o áudio a seguir:
Contexto político
Tendências políticas na região. Capitalismo: Como esse sistema se materializa e permeia nossos corpos e territórios? (Modelo extrativista na ALC: Caracterização das atividades extrativistas – mineração, agronegócio, desmatamento, hidrocarbonetos -, modelos e papel de cada Estado)
Antes de entrarmos nesta seção, compartilhamos algumas reflexões de cada canto da América Latina:
Da Nicarágua: “Capitalismo, colonialismo e patriarcado são desapropriação. Isso afeta a todos, mas especialmente as mulheres e ainda mais as meninas e crianças. Isso gera catástrofes que não são naturais, mas intencionais… Isso afeta as mulheres indígenas, os camponeses e aqueles que mais trabalham. E não podemos deixar de mencionar o racismo, as desigualdades e a violência que nós, mulheres, enfrentamos, que são múltiplas.
Do Brasil: “Temos um governo fascista com espírito colonizador e um sistema que devasta o meio ambiente e as relações sociais. Um sistema que pensa de forma egoísta, exclusivista, negacionista, excludente… as pessoas passam muita fome… sobrevivemos sem água, a agricultura é muito difícil.”
Da Bolívia: “Os governos latino-americanos são patriarcais, capitalistas e extrativistas. A crise climática que estamos vivenciando é vista em nossas comunidades e, mais ainda, os efeitos do capitalismo e do extrativismo sobre as mulheres. Isso viola nossos direitos ao trabalho, à saúde, à economia, à vida em si. Nossos direitos continuam a ser violados neste contexto.”
Da Argentina: “Há responsáveis. Se as transnacionais saqueadoras e extrativistas estão em nossos territórios, é porque sucessivos governos permitiram que entrassem e melhoraram um sistema legal que lhes permite violar todos os direitos. Eles estabelecem territórios e nações de mineração, soja e extrativismo com apoio estatal. A isso se soma o empobrecimento sistemático de nossos corpos pelo endividamento sistemático de nossos países com a cumplicidade dos governos.”
Os impactos da pandemia
A pandemia acelerou as injustiças econômicas perpetradas pelo capitalismo e com a ajuda do Estado, e empurrou diversos setores para a periferia da economia dominante com forte perda de direitos. A crise sanitária revelou como o sistema de saúde não está apenas destruído nas cidades e vilas, mas também está completamente ausente nas áreas rurais. A falta de centros de saúde, medicamentos e profissionais de saúde deixou comunidades expostas à disseminação da COVID-19 sem qualquer cobertura.
Também é importante destacar outros impactos ligados à crise sanitária na educação, no trabalho, nas economias, nas organizações sociais e nos territórios e, em particular, nas mulheres.
Vamos ver alguns testemunhos…
Do Paraguai: “Se antes estávamos saturadas de trabalho de cuidado, hoje as mulheres também estão saturadas de trabalho educacional… e tarefas acumuladas… Isso também nos deixa muito mais expostas à vulnerabilidade de nossos direitos e também demonstra a ausência do Estado em muitos setores…”
De Honduras: “Aqui estamos vivendo a pandemia da falta de economia, falta de comida, não há trabalho decente e se temos trabalho não ganhamos o suficiente para nos sustentar. É outra pandemia que estamos vivendo.”
Do Equador: “No contexto da pandemia, muitos foram demitidos de seus empregos, sem nenhum tipo de remuneração. Então, a questão do desemprego está aumentando. A crise sanitária e o isolamento imposto por ela tiveram consequências graves, uma delas foi o enfraquecimento de organizações e movimentos sociais que foi explorado pelos estados para promover a violação de direitos humanos básicos.”
Da Bolívia: “Durante a pandemia, os governos continuam a posicionar as empresas de mineração em locais onde são zonas produtivas”
Acesso à terra e alterações climáticas
A expulsão de várias comunidades de suas terras as deixa sem a proteção que exerciam sobre os recursos naturais. Assim, o desmatamento e a poluição da água, da terra e do ar continuam ocorrendo. Dinâmicas e processos que contribuem para o aumento das mudanças climáticas e seus efeitos nocivos em todo o planeta.
Governos e empresas oferecem “falsas soluções” para a crise climática, como a mudança da matriz energética para uma “energia limpa” baseada no uso de minerais cuja exploração, além de causar sérios danos ambientais, avança sobre territórios onde vivem comunidades camponesas, indígenas e afrodescendentes.
Da Argentina: “Estamos nos organizando contra essa violação de direitos, porque os homens não vão fazer isso por nós. Os governos nos trazem falsas soluções para o nosso povo. Eles nos dizem que vão nos dar energia limpa, mas isso não é verdade. Temos conflitos e problemas ambientais profundamente enraizados, devido à violação de todas as leis ambientais e direitos humanos devido ao extrativismo. Um extrativismo que exerce todo o seu poder junto com governos extrativistas.”
Tudo isso também levou a um aumento da violência contra defensores e ativistas ambientais, não apenas por parte de empresas, mas também de instituições e, em muitos casos, dentro das próprias comunidades.
Do Equador: “Além disso, há a criminalização do protesto; mulheres líderes são procuradas. Há um sistema de repressão e medo que foi estabelecido. Na região, líderes sociais foram perseguidos e assassinados. Temos colegas que estão sendo processados por exercerem seu direito de protestar.”
Neste contexto, outra situação que merece destaque é a migração. Em alguns casos, das cidades para as áreas rurais, pois muitas pessoas as consideram mais seguras diante da disseminação da pandemia nas cidades. Por outro lado, diante das remoções forçadas e da desapropriação de seus territórios, os homens e mulheres das comunidades se deslocaram para as grandes cidades em busca de uma fonte de renda, juntando-se assim aos milhares de desempregados, vivendo na marginalidade e na pobreza.
De Honduras: “O grande problema em nosso país é a migração. Famílias inteiras foram embora, comunidades estão sendo abandonadas. Comunidades estão sendo deslocadas para áreas urbanas, e nas grandes cidades as pessoas não têm oportunidades e têm que viver nas ruas. Estamos nos unindo contra o extrativismo porque não podemos mais suportar a privação contínua de nosso território, e muitos de nós tivemos que migrar para a cidade como consequência das mudanças climáticas e do extrativismo.”
Comunicação e informação
A falta de acesso à informação e as dificuldades de comunicação são dois pilares importantes que sustentam os sistemas de dominação.
Manter comunidades isoladas devido a estradas precárias ou inacessíveis, falta de transporte, ausência de telefone ou internet tradicionais garante que os centros de poder não tenham acesso para coordenar esforços em torno de situações ligadas à violação de direitos e realizar ações comuns em torno de diferentes problemas.
Nas áreas rurais, as dificuldades de comunicação também impedem que situações de corrupção, destruição ou danos aos recursos naturais e despejos, entre outros, sejam denunciadas ao público.
Informação: conhecer as leis, as políticas públicas e as ações que os governos realizam e que envolvem diretamente os territórios constitui um elemento crucial para a defesa dos direitos humanos.
Durante a pandemia, as escolas foram fechadas, trocando o ensino presencial pelo virtual. Nas comunidades rurais, centenas de meninas e meninos ficaram fora do sistema educacional devido à falta de conexão à internet ou à impossibilidade de ter meios tecnológicos para acessá-la.
Da Bolívia: “A dificuldade de acesso à Internet impede a comunicação e a informação entre uma região e outra no mesmo país. Não sabemos o que outras irmãs estão fazendo para apoiá-las ou se juntar às suas lutas.”
Do Paraguai: “Por que o tema da educação se tornou um tema específico da virtualidade? E em comunidades onde às vezes não temos nem eletricidade, muito menos linha telefônica.”
Do Brasil: “…o governo não faz nada para garantir o direito à comunicação, que hoje tem o mesmo valor que o direito à segurança.”
Estratégias
Além de compartilhar a situação de seus países, a economia, a pandemia e o papel das mulheres, as mulheres compartilharam as estratégias que utilizam para resistir ao avanço desse sistema sobre corpos e territórios. Aqui você pode ver alguns deles:
- Escola e formação política como estratégia de resistência: “Para nós, o espaço de formação política foi essencial para enxergar os direitos das mulheres, os direitos da natureza. Para questionar o modelo e o próprio sistema. Outra situação muito importante é trabalhar a representação organizacional coletiva.”
- Luta coletiva, marchas e manifestações: “Nós nos organizamos contra o governo e o Estado em sua inação no contexto da pandemia. Realizamos ações como marchas e manifestações contra a violência de gênero, mas elas não recebem importância. Ao mesmo tempo, muitas vezes temos dificuldade em comunicá-las.”
- Construindo alianças: “Ressaltamos os benefícios de estar em uma plataforma ou em movimentos maiores para amplificar nossas comunicações e possibilitar que as ações de organizações menores alcancem mais espaços. Falamos muito sobre organização e luta coletiva como uma das grandes estratégias: poder construir alianças para resistir, isso é o que mais nos dá força. Ressaltamos a importância de organizações que não estão nas capitais de cada país estarem em contato com redes internacionais e outras organizações feministas que estão lutando nos territórios. Compartilhamos nossas experiências de luta, organização e resistência contra a opressão governamental no campo, nas cidades e em coordenação com outras organizações feministas.”
“O verdadeiro processo de organização sempre começa com aqueles ao nosso redor, então damos um salto adiante e conectamos organizações em uma base inter-regional.”
- Organização e irmandade pelo acesso às tecnologias: “Nas comunidades nos organizamos de diferentes formas para poder acessar as tecnologias, como estratégia contra a pandemia. Ela nos permite sentir juntos apesar de todas essas dificuldades. Falta informação, por isso compramos celulares, computadores e internet, porque o governo não faz nada para garantir o direito à comunicação, que hoje tem o mesmo valor que o direito à segurança… Gravamos vídeos para mostrar a situação e compartilhamos no WhatsApp e fazemos alianças com outras organizações e movimentos.
“A isso se somam os episódios de violência e insegurança. Temos que resistir juntos, não só do ponto de vista pessoal, mas também do ponto de vista político.
- Acesso à água: “Estamos trabalhando no direito à água… temos campanhas de conscientização para a população, em nível comunitário. Promoções territoriais em nível nacional, para a defesa da água e a conservação de sementes locais para garantir a segurança alimentar.”
“Nós sempre tentamos nos unir, porque dizemos que quando estamos organizadas, temos mais força para conseguir superar os problemas que temos aqui no nosso país. Porque aqui, se você não está organizada, é muito difícil fazer qualquer coisa. Devemos denunciar nome e sobrenome os governos latino-americanos que entregam nosso território. Lutamos para defender nossos modos de vida, a produção baseada em práticas agroecológicas, a reciclagem e o uso das coisas em nível local, a resiliência, a governança responsável e nossa participação em espaços políticos e privados… E nosso trabalho na defesa dos direitos das mulheres.”
Módulo 2: Contexto Social: Espaço Cívico
Movimentos e organizações sociais
Espaço cívico
Quais são os espaços de participação no meu país?
Módulo 3: Contexto Econômico
Qual é o papel das mulheres rurais e indígenas nos espaços de participação comunitária, local, estadual, etc.?